terça-feira

O TIPO NOVO-MÉDICO

No Brasil somos todos vagabundos, no mínimo preguiçosos. Ao menos é o que parece pensar o tipo novo-médico. Em geral são jovens, recém-saídos da universidade, abrigados em clínicas em que o catedrático da medicina emprestou nome e sobrenome (e assim herdam toda uma confiança angariada décadas a fio, grão a grão, junto ao capital necessário ao negócio, claro). E então o jovem pretendido a doutor, bigode que não passa de buço, ainda graduando, ali faz residência e será, bem provável, dali que suará ganha pão nos primeiros anos de profissão. Então o sujeito, pinto ainda, mal saído do ovo, com aquele jalecão exibindo o nomão (como também se lê a patente na farda do soldado), escrito a cursiva, cobrindo a cafonice da calça jeans fundo baixo e o sapato social surrado, ao tempo em que denuncia sua deselegância (tanto pior pois inocente), suspira um ar de comandante de boeing, do alto de sua blasérice, ora pois, obtusa.

O sujeito pode estar suando frio, derramando coriza pelos ouvidos, e o exame será o mesmo, e as drogas idem: um soro jet para as narinas, um antiinflamatório a base de corticoide, e dez dias de antibiótico (pois agora sete não são mais suficiente). Então não é primeira, nem será última, vou ao consultório médico, sofrendo vinte e quatro horas de febre e prostração... E tendo que solicitar justificativa para dispensa na faculdade, pois não me aguentei, a manhã em pé falando na aula, o rapaz me dá um dia: afinal, três comprimidos e estarei pronto para o retorno, ao trabalho. Não bastasse o constrangimento de pedir penico a outro homem, que deveria saber do desamparo que nos constitui desde o útero, leio sua delação atestada em texto padrão:

Atesto, à pedido, que o paciente acima foi atendido(a) em nossa clínica no dia 23 de fevereiro de 2015. Em virtude dos problemas de saúde que apresentou, necessita ausentar-se das suas atividades profissionais, guardando o necessário repouso, pelo período de 01 (um) dia a partir de hoje”.

Quer dizer, reconhece que o paciente precisa se ausentar, mas só o atesta “à pedido”. O novo-médico é o funcionário modelo da empresa, de uma empresa abstrata e total, que impregna nossas vidas modernosas e nossas relações, como se coisas administráveis fossem. Sequer um apalpo. Sequer uma anamnese interessante, um clima para fluir a história de vida, uma escuta sensível. É identificar sintoma, utilizar instrumentos e receita. Alívio imediato? Fazemos qualquer negócio.


Ao que tudo indica, atestado médico virou carta de alforria, e não será qualquer jovem senhor(a) de engenho pretendido(a) a ßdoutor(a) a se dispor distribuir privilégio de ócio a nego fugido.