A pediatra, com
ciência, explicou. Vacinas do público podem menos; as particulares,
mais. Ousei incompreensão. Vacilei bom senso. Assim mesmo:
pneumococos, gratuita, Ministério da Saúde, 10 enfermidades. A que
se paga cobre 13 enfermidades. Rotavirus do governo uma, do mercado
cobre cinco. Penta mais Salk são duas
furadas, mais febre e mais dor no posto de saúde. A Hexa no
particular cobre ambas, e dói menos.
Na alma dóis mais. Embolsa-se a alma, então.
domingo
terça-feira
o avô
Meu
bebê, que eu amo, dita
a esposa sexagenária. Tanto feito, agora idoso, transformado no desfeito, desfecho da tutela. Tanto fez. Cãs não valem vintém. Salvo o benefício. Cartão de
aposentado na mão de parente é respeito comprado.
Cabra grosso a
vida toda, foi livre. Não limpa mais a bunda. É
meu bebê, que eu amo tanto, rediz a esposa sexagenária torcendo-lhe a cabeça, espremendo-lhe a bochecha.
Álbum ambulante de família, o patriarca bêbado. Figurinha
repetida. Não cola lembrança, o demente. Não empunha a vontade,
nem voz. Melhor pra covardia dos filhos.
Vão se despedindo,
passando a mão pela cabeça. Posando de corajosos, íntimos. Nunca me conheceram, dizia. Nem perdoaram. Pularam o desfecho. Estão no lucro. Subirão os créditos. Revisitam o medo. Do avô pai que virou filho, neto,
bebê. Meu
bebê que eu amo tanto.
Clóvis, Heloísa
É um cano
subterrâneo, uma rodilha de cimento. Escombros. Cinco ou sete
polegadas e chega-se a um gargalo à superfície. No orifício
estreito Clóvis põe
o olho e se deixa entumescer. Heloísa, com uma compressa morna,
deita os cabelos aos pés do gargalo, joelhos nus, feitos piso de
banheiro, feito pano de chão encharcado retorcido. Clóvis não
controla as pálpebras, que levam nas bordas gotas de cerol. Ouve-se
o crepitar, e o jato de sangue. Heloísa se volta ereta, lambe o
orifício; em seguida, torna a se curvar. Clóvis, remoendo a bunda
para aprumar o desconforto, põe o olho no gargalo da rodilha,
segurando Heloísa pela chã. Encalca-lhe as unhas grossas e abre um
segundo olho, agora nela mesma. Heloísa se mantém de joelhos nus,
pernas ligeiramente afastadas, porém... Tremulam. Não é comum.
Clóvis funga como se a informasse um imprevisto. Heloísa retoma
firmeza, no vinco que opõe, de forma perpendicular, sua chance de
ocasião. As unhas de Clóvis se encontram atravessando carne de
Heloísa. Fosse uma gelatina de framboesa suas coxas, não sentiria
tanta maciez. A bunda de Heloísa em nacos. Clóvis desliza o pé
esquerdo entre o umbigo e a pélvis, sem o prejuízo do contato. O
diafragma pressente, mas Heloísa, imóvel, permite apenas à cabeça
um giro econômico – suficiente para os cabelos grudarem na borda
seborrenta da rodilha. Com a língua de ponta para cima Heloísa
alcança o terceiro orifício. Com a cabeça fixa na direção do
gargalo espera a saliva de Clóvis, que se desprendeu da gengiva e
escorre, espumando, pelos contornos do orifício. Heloísa ri, e o
seu ânus peida. O ar treme o gargalo, e Clóvis monta no cume
sábado
OBRIGAÇÃO
Olhos remelentos,
cabeça pesada, bexiga cheia. Ricardo é magro inteiriço. Cinco e
meia da manhã, olhos boiando. Embaixo, as buzinas sapecam esparsadas. É sábado. Uns fachos de
sol beijam as persianas de PVC pérola; o vento a manha açoita pelas
frestas.
Oito horas. Ricardo
atravessa o portão de ferro e cumprimenta um sorriso aberto na
guarita. A vaga de sempre. Ricardo confere as árvores, verdeja o
passo, contempla e engolfa a quinta dimensão do espaço. Desliza
chiando satisfeito os mosaicos cinza e vermelho opacos na catedral.
Reunião de trabalho, Ricardo pressente: contingências, planilhas,
acordos.
Meia
hora do praxe a corte. A mesa com café - uma
garapa!,
e frutas. Salgados emborrachados, refresco aguado de cajá e goiaba.
Toalha branca de tecido sintético e renda Richelieu plotada –
estilo: prático de lavar. Uns colegas vestidos a camisa de time.
Ricardo, um passo a parte; educado, polido em brocal. Camisa de
vinco, discreto, sagaz. Humor negro, herança paterna.
Chega a diretora, de
roda em roda cumprimentando os funcionários naquela conversinha de
nadas. Quase loira e chapinha, conjunto calça e paletozinho, ton
sour ton
com a vida: insossa. Desequilíbrio em tons pastéis. Traiçoeira, divorciada,
unhas longas e bem feitas. Exceção à cutícula, inflamada, rósea
mostarda. Vamos
meu povo,
arrebanha.
No
auditório as cadeiras estão dispostas em degraus, sobre um chão
brilhoso de madeira corrida envernizada ao exagero. Ricardo senta, os colegas lhe
demandam ouvidos. Ricardo observa a poeira branca espessa, entranhada
nos sulcos das tábuas inteiriças. As luzes fluorescentes e um leve
cheiro de verniz se misturam à tinta látex e aos perfumes de
muamba. As venezianas são fixas, recobertas com vidro. A parede é creme, o quadro branco, e o ar condicionado. Caixa amplificada e projetor.
Enquanto, Ricardo
remói na bunda o inevitável. Precisará decidir após a exposição do departamento financeiro apresentar o corte. Ressente, na base da coluna, o
plástico mal plissado da cadeira a granel e branca. É sábado. As
decisões não têm férias. A escolha é o serão dos vivos.
INFINITO
Acordou nhum nhum.
Ela gosta de fincar e comprimir a boceta em meu joelho, fazer jogo de
perna, manha. Mal dormi. Trégua o menino não deu. Remexeu, chorou,
aterrorizou, sem cerimônias. Osado. Compartilhou medo nem recalque.
Ela vem assim, toda
assim. Eu meio de lado, a perna bem esticada pra desgastar o
dengo seu da manhã. Ignoro no trejeito disfarçado, para o modo leve de
irritar. Não abro; olho algum. Ela na orelha, cheirinho e coxas,
espremendo. Um calor dos diabos empapando o pescoço.
Dormimos os três.
Dia após dia o
remoído de fazer menino dormir. Mas quando menos, corre pro
nosso quarto e se atreve. O trato é conformar menino e desconforto.
Perde-se sono e carneirinho em lição de crescer. O menino seduz,
dirige cada qual ao seu fraco. Ela já buchinho novo, não mantém
juízo. Deixa
a gente trançado, babando.
Vira e mexe: o
menino. Barriga, pinto, cabelo; tudo osso e quentinho. Tantas e
sempre dá; joelho com cabeça e o menino encolhido nas pernas. Num
rompante, guincho o garoto para a cama solteira. Ela nem
tchum, intacta.
Demorou. O menino de
volta enterra no meu sovaco. Sonambulindo, engravatei-o aos poucos. No que gemeu, ela murmurou qualquer letra. Olhei, por
dentro dos braços arrochados; choramingando baixinho, o menino. Não
afrouxo. Esperneia, nó cego trançado nas pernas. Tudo quietinho. Sem drama. Ãhn!
Ela, olhos-nos-olhos o menino. Ãhên!,
ficamos os três. No rame rame geme geme, perna com braço. Cotovelos e dentes roçando, escorrendo. Tremeliques. A cidade dos fantasmas.
A praça
Desço do carro,
travo porta, engancho o pinguelo do chaveiro na boca do bolso,
mergulho na praça. Me apoio com o polegar na borda e entro, sem
senha. Não preciso direção, não escolho lados. Cambaleio para o
meio, tateio com a planta dos pés a parte sem grama e sem cimento.
Acendo cigarro, a cidade fade-out.
Ovais, as pessoas
vão e voltam. É diária essa meditação peripatética na cidade.
Eu plantado no parquinho feito rosa de celofane no canteiro -
decorando o coração a seixos.
As árvores ameias rebatem a luz. A iluminação de costas. O
sombreamento me acolhe, deixa o coração mais tom. Um fusco de não
ver e ver, em tons de verde. As pessoas resvalam na borda da praça,
vejo-as retorcidas feito roupas na centrífuga. O vento não pousa
entre os bancos, repousa nas copas que remexem feito girafas. A praça
é uma mitocôndria radiante, um torvelinho no estômago, ilhota de
liberdade. A cidade faz cócegas em meu bigode.
DE VACAS E BÚFALAS
Peitos feitos câmara
de ar, gelados, pulando esmagados do vestido. Audísio, agarrando com
a mão trocada, balança-os tremelicando. Não encontra os bicos nos
pacotes de silicone. O dorso quente. Sente os grãos de suor: orvalho
ou mercúrio? Sou
toda grande,
diz.
Quanto mais atiça, elaele repele. A repulsa agrada, fortalece o cru
da hora. As pernas de atleta, robustas, roliças, não têm boleios
nem pêlos. Um olor forte doce-azedo no ar. Quanto mais tenso mais
aumenta o passa-passa, ferozes sobre o freio de mão. A luz do poste
recaindo sobre o painel do carro, desfeita em meia, feito abajur,
entre as folhas da amendoeira. Elaele economiza gesto, resiste a
floreios.
Era pressa, era
negócio. Não havia palavra-a-palavra, nem pensamento a delinear os
rostos. Feito Cristo, arrastando destino, vontade em cruz, Audísio
batendo punheta implorando um gemidinho. Vambora,
meu filho, goza. Aqui toda hora tem polícia.
Ele nada. Álcool e outras drogas desorientam a lascívia na base em
que acendem a luxúria. Viagra. Quanto mais elaele instigava, menos a
rigidez mantinha.
Vem, pega no meu
cu!
Não sai sem gozo. Aliás, por isso ali, sem escolha, pagando pra ter
certeza. Elaele meteu, pressentindo na língua o gosto de chouriço.
Devaneia. (Cheiro
antigo esse, de sangue talhado e merda na cabeça do dedo. Vem do
quintal da infância, quando em cima do flandre, entupida de carvão,
a panela de pressão piava na lata. Os fatos ferventando horas desde,
a manhã evolando o podre em decomposição. As tripas a mãe lavava
no tanque. Calorão, suor e fedor, tudo outra vez. Cheirinho antigo
esse: sangue talhado e merda, dia de sarrabulho. Dia de gozo
vagabundo).
Ai, hun; vem,
gostoso, goza gostoso.
Na fervura dos gomos o membro de Audísio entesou finalmente. A mão
áspera feito bucha arreganhou o cavernoso. Meteu na víscera que
rejunta o bofe. Aaai!
Fudeu!
Encravada nos testículos, a lâmina não considerou. Fofo o
esguicho, não foi gozo. Foi embucho. A tromba imberbe de Audísio
gotejando, dependurada no banco bege do Corcel. O traveco almiscarado
não quis saber história. Arremessou a bolsa pela janela e saltou a
porta, cavalgando corpulenta no asfalto rubro negro, feito búfala.
TORNAR-SE PÉROLA
Fui doar, recebi.
Recebi-me de volta. Às memórias do antes. Meu coração suburbano.
Minha mãe, meu pai, meus avós. Periperi, Plataforma, Paripe... As
histórias, o subúrbio. Permanece o que fincou. Invento meus motivos
ao redor delas. Compreendem-me. Meu coração reaviva se as reconto.
Aumento pontos, marcos na linha do tempo. Meço os desvios, amplio
minha órbita. Ao contar, reexisto. No mapa da cidade, na linha da
vida, ligo pontos. O destino na palma. Pontilhada de nomes sobre
nomes. Sou também o que me contam. Ai de mim!, refém de línguas
más.
Feliz ou triste, sou
o que vinga. Minhas estações, suas paisagens. Postado na janela
contemplava, ainda agora, os percursos de minhas lembranças. Algum
naufrágio, alguma beira. Tempestades, absurdos. Fui ilha,
ancoradouro, sou deriva. Se passa o trem enveredo em minhas trilhas.
Ninguém comigo caminha. À orla desse mar não vejo luz em outro
dia.
Cai a noite. A
cidade longe, sem estrela, um presépio sem menino. Ôh deus dos
desgraçados! Dá-me, além do presente, um passado. A benção de um
orgulho. Mas se não ouves, invento. Umas histórias, um casulo
intenso de memórias...
PAU DE MIJO
Dormem os três.
Cama de casal e outra solteira. Dormem embolados na maior. A mãezinha
adora receber calor dos seus meninos. Durante a noite os pés-e-braços
pelo corpo. O sovaco cheiroso e a mama escapando, o bico sobrando na
camisola.
O menor dorme por
cima, em franco deleite. O maior fica de fora, sustentando a
independência, sofrido, por algum prestígio.
O bafo do quarto
ainda guarda o pino da tarde. Todos suando desalinhos, às gotas,
babando o travesseiro. Quando não, sopapo nos seios e um gemidinho
agastado. A confiança e a necessidade chantageiam. Puída, a
fantasia roça roça o peito do pé e os umbigos. O travesseiro
verde-água com babado vinca os rostinhos perfilados.
Amanhecem no lençol
lambendo nódoa de umbigo. Inalando hálito-de-sonho. Antes útero,
agora manha de mamã.
PAI
A cabeça nos gomos
dos infernos. Tiro e culatra. A medida do trabalho é a cobrança.
Esse é o pai. Vai à frente. Abre caminho. Dá de mamar à
realidade.
Na madruga, escuta o nhunhun do filho no peitinho da mulher. E sabe sorrir.
Na madruga, escuta o nhunhun do filho no peitinho da mulher. E sabe sorrir.
A mais simbólica de
todas as raízes. A menos. Tristeza estampada nos olhos. O mar
imarcescível, tronco das vagas. Mais velho. Esse é o pai.
Contínuo da casa, chefe de nadas. Servo da responsabilidade. Ordenha os dias em passar de olhos. Inverte os catetos, pula quadrados.
Um olho no gato outro na sereia. A mulher?, uma delícia. A mãe. Colo largo, busto macio. Rostinho colado. Ronronar e cio.
Contínuo da casa, chefe de nadas. Servo da responsabilidade. Ordenha os dias em passar de olhos. Inverte os catetos, pula quadrados.
Um olho no gato outro na sereia. A mulher?, uma delícia. A mãe. Colo largo, busto macio. Rostinho colado. Ronronar e cio.
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