sábado

OBRIGAÇÃO


Olhos remelentos, cabeça pesada, bexiga cheia. Ricardo é magro inteiriço. Cinco e meia da manhã, olhos boiando. Embaixo, as buzinas sapecam esparsadas. É sábado. Uns fachos de sol beijam as persianas de PVC pérola; o vento a manha açoita pelas frestas.

Oito horas. Ricardo atravessa o portão de ferro e cumprimenta um sorriso aberto na guarita. A vaga de sempre. Ricardo confere as árvores, verdeja o passo, contempla e engolfa a quinta dimensão do espaço. Desliza chiando satisfeito os mosaicos cinza e vermelho opacos na catedral. Reunião de trabalho, Ricardo pressente: contingências, planilhas, acordos.

Meia hora do praxe a corte. A mesa com café - uma garapa!, e frutas. Salgados emborrachados, refresco aguado de cajá e goiaba. Toalha branca de tecido sintético e renda Richelieu plotada – estilo: prático de lavar. Uns colegas vestidos a camisa de time. Ricardo, um passo a parte; educado, polido em brocal. Camisa de vinco, discreto, sagaz. Humor negro, herança paterna.

Chega a diretora, de roda em roda cumprimentando os funcionários naquela conversinha de nadas. Quase loira e chapinha, conjunto calça e paletozinho, ton sour ton com a vida: insossa. Desequilíbrio em tons pastéis. Traiçoeira, divorciada, unhas longas e bem feitas. Exceção à cutícula, inflamada, rósea mostarda. Vamos meu povo, arrebanha.

No auditório as cadeiras estão dispostas em degraus, sobre um chão brilhoso de madeira corrida envernizada ao exagero. Ricardo senta, os colegas lhe demandam ouvidos. Ricardo observa a poeira branca espessa, entranhada nos sulcos das tábuas inteiriças. As luzes fluorescentes e um leve cheiro de verniz se misturam à tinta látex e aos perfumes de muamba. As venezianas são fixas, recobertas com vidro. A parede é creme, o quadro branco, e o ar condicionado. Caixa amplificada e projetor.

Enquanto, Ricardo remói na bunda o inevitável. Precisará decidir após a exposição do departamento financeiro apresentar o corte. Ressente, na base da coluna, o plástico mal plissado da cadeira a granel e branca. É sábado. As decisões não têm férias. A escolha é o serão dos vivos.