sábado

TORNAR-SE PÉROLA


Fui doar, recebi. Recebi-me de volta. Às memórias do antes. Meu coração suburbano. Minha mãe, meu pai, meus avós. Periperi, Plataforma, Paripe... As histórias, o subúrbio. Permanece o que fincou. Invento meus motivos ao redor delas. Compreendem-me. Meu coração reaviva se as reconto. Aumento pontos, marcos na linha do tempo. Meço os desvios, amplio minha órbita. Ao contar, reexisto. No mapa da cidade, na linha da vida, ligo pontos. O destino na palma. Pontilhada de nomes sobre nomes. Sou também o que me contam. Ai de mim!, refém de línguas más.

Feliz ou triste, sou o que vinga. Minhas estações, suas paisagens. Postado na janela contemplava, ainda agora, os percursos de minhas lembranças. Algum naufrágio, alguma beira. Tempestades, absurdos. Fui ilha, ancoradouro, sou deriva. Se passa o trem enveredo em minhas trilhas. Ninguém comigo caminha. À orla desse mar não vejo luz em outro dia.

Cai a noite. A cidade longe, sem estrela, um presépio sem menino. Ôh deus dos desgraçados! Dá-me, além do presente, um passado. A benção de um orgulho. Mas se não ouves, invento. Umas histórias, um casulo intenso de memórias...