terça-feira

Colônia de Férias


Gabriel tira pro Cumbuco vinte e poucos minutos. De moto, com a noiva Erbênia na garupa. Sozinho, uns vinte cravados. Gabriel, cearense, pense, dedica-se ao aprendizado dos carros. Passa horas contando peripécias e artifícios. Tipo moderno, gosta de máquina. Tendência à curiosidade.

Gabriel rompeu o ano com a família, na Colônia de Férias onde seu avô tem direito. Alugaram três casas, cada uma através de um parente. Incidência danada de gente. Beira guerras, o nhenhenhem do compartilhado.

Na colônia, a primeira impressão é fria. O excesso de acimentado: sofá, camas, o guarda-roupa e até o criado, mudo, inamovível. No quarto da frente, as cortinas transparentes de tão gastas. Beje encardidas, com mortos motivos florais. Fora, ao lado, cada casa possui sua churrasqueira de cimento geminada. Atrás, alguns cajueiros e manilhas para lixo. As casas vêm com utensílios. Panelas, as colheres e as conchas, inteiras de alumínio, até o cabo. Impossível segurar sem pano. Queimam na mão. Uma dezena de armadores. Redes, mesmo enroladas nos punhos, aninham a casa. São totens, domesticam o espírito selvagem. Duas cordas, uma rede e um lençol, pro cearense é casa. No quarto da frente quatro janelas, quatro venezianas. Azul forte. Forte o cheiro úmido e eucalipto do banheiro. O gotejar do chuveiro é um metrônomo.

É preciso comprar pulseirinha pra utilizar a piscina. Cada dia uma cor. Parque aquático, toboágua descascado desfia sunga, escorregador de fibra com cascata. Para comodidade, aluga-se: ventilador, colchão, liquidificador, correntes para empunhar rede...

As casas foram construídas de modo a evitar o tête-à-tête dos alpendres. Abertas em leque na orla do terreno, são vinte e oito. Duas por alicerce, uma por cima da outra. No miolo arborizado da Colônia um parquinho com areia e brinquedos de madeira. Cajueiro, mangueira, coqueiro, jambeiro. Zunzunzun constante. Frente às casas e por dentro dos ouvidos, o tempo todo presenças. E há quem frequente por gosto se distrair no nhenhenhem do povo.

Gabriel não fuma. Obedece a mãe, pra revolta da noiva. Participa da cota da cerveja; e não bebe. A cara é de abuso, mas o coração surpreende. Taludo. Bigodinho ralo. Adora usar uma camisa de time; e chinela. Tem o sestro de repuxar a camisa com o indicador e o polegar, para livrar o embolado onde sobra barriga.

Gabriel e Erbênia moram juntos, em casa de sogra. Misturam os bens, as memórias e os humores. Bater a laje e Gabriel fará herança. Constroem um futuro bem sucedido, almejam. Gabriel se orgulha da própria esperteza. A noiva em segundo plano, os bens primeiros. Gabriel ostenta sucesso futuro medindo a bitola do chuveiro; abundando água. Gabriel sua quilos de picanha. Se pudesse vivia sem camisa. Erbênia fala pelos cotovelos. Dói no juízo. A família vive se metendo. Vai trair o marido.



segunda-feira

Recalcada


Veronice. Sua raiva lhe corrói toda. Pele esponjosa, boca grandes lábios. Feição de quem sente um fedor permanente. Não vou falar da cor da pele, pois há tabus servindo para mascarar preconceito em nome da retidão política. Mas o cabelo, posso dizer?: escova progressiva. Faz um jeito Emília em segurar os livros acochados aos peitos fartos. Fala docinho brigadeiro, biquinho feito criança. Infantiliza-se por método. Durante o semestre saúda os coleguinhas e o professor com gracejos e mumunhas que os envergonham, por ela. Chega às aulas sempre de farda, branco e azul. Blusa de lycra colada. Calça de tecido sintético brilhoso, também colada. Nunca observei o calçado.

Veronice quer vencer. Vai vencer! Sua metralhadora beijinho no ombro está apontada para defender seus direitos. Acha-se inatingível à saia justa. Sua objetividade lhe confere o álibi da certeza definitiva. Sempre ao seu favor, apesar. Orgulha-se da verdade de almanaque que empunha. Daí a violência em que se a transforma caso alguma crítica lhe seja desferida. A deselegância que lhe assola os ânimos ela sabe seu ponto fraco. Do veneno, falta-lhe a realeza malemolente e a indiferença sublimes da cobra-coral.

Veronice quer vencer. Vai, Verenice, vai se.